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Os espaços em branco



"-Deve estar avisada do que lhe pode acontecer para não se sentir responsável. Há coisas prontas a agarrar-nos sem que demos conta. Coisas com que não sonhamos e para que não há salvação.
-O quê? - disse ela, atemorizada.
-O que nos salva é a eficiência, a devoção pela eficiência - disse Bruno, cabisbaixo, como se estivesse a lembrar-se duma frase que não era a dele.- Eu tornei-me um perito, ninguém me pode igualar no que faço. Sei tirar a vida de uma pessoa sem que ela o possa evitar. Apanho-a e pronto. Não receia nada e, de repente, acabou-se tudo, a respiração para, o sangue pára nas veias.
-Não percebo. A eficiência de que serve?
-Impede a perdição. Nós caminhamos sobre uma crosta muito fina da civilização. A todo o momento ela se pode romper e mergulhamos no mais porfundo dos horrores, ao pé de que o horror que conhecemos não é nada. Nem a guerra, nem o vício, nem a doença, nem o apocalipse inteiro se lhe compara.-Calou-se e disse a seguir:-já leu Joseph Conrad?
-Não- disse ela em voz baixa.
(...)
Não lhe apeteceu leu Joseph Conrad e até se esqueceu do nome dele. Até que aquilo a possuiu e se achou completamente à mercê de uma força bruta. Não era amor mas uma arrebatamento desfocado, como se estivesse a ser alterado pela distância, uma distância imensa desde o infinito. O amor era uma forma de eficiência, alguma coisa necessária para despistar o horror. "
"Os espaços em branco"
Agustina Bessa Luís