ideias e pensamentos que normalmente saltariam para outras esferas
quinta-feira, 31 de maio de 2007
A visita
Ao que parece o livro Der Besuch der alten Dame de Friedrich Dürrenmatt é um dos livros mais usados habitualmente no ensino de alemão. A peça de teatro também é famosa e até existe uma adaptação portuguesa para TV.
A primeira e única vez que vi o filme adaptado da obra não foi no cinema, mas sim na televisão, mais concretamente no programa de Lauro António.
O filme é de 1964, realizado por Bernhard Wicki e esteve nomeado para a palma de ouro de Cannes. Não foi só o argumento, poderoso, que me cativou a atenção, foi a representação de Ingrid Bergman como uma mulher amargurada, fria e com sede de vingança.
Esta é uma história que permanece actual e é a história de como se pode comprar quase tudo por dinheiro.
Em Still Life, de Jia Zhang-ke, há um mineiro que tenta encontrar a mulher e a filha que já não vê há mais de 15 anos. Há também uma jovem mulher que procura o marido que a deixara há mais de 2 anos. Como pano de fundo, Fengjie, uma cidade chinesa em demolição, que ficará submersa nas águas de uma das maiores barragens da China. Lugar em ruínas, onde um homem caminha suspenso sobre um fio entre dois prédio, onde alguém acende um cigarro como num filme americano, onde se ouvem conversas sobre telemóveis, canções pop chinesas, onde um casal se abraça e dança, para depois se separar. Marcas humanas, imagens belíssimas e comoventes, em território desumano.
"Boxer, agora mesmo, é apenas um dos mais avassaladores álbuns de canções que (em vários desses - e de outros - que ficaram nomeados aí mais acima) essa substância pouco definível que é a poética pop alguma vez conseguiu gerar. "
#João Lisboa, Jornal Expresso de 26 de Maio de 2007
Em 1969 o cineasta, actor e cantor francês Pierre Barouh foi ao Brasil com a intenção de fazer um filme sobre música brasileira. Tendo Baden Powell como fio condutor, o filme Saravah conta um pouco da história da música brasileira de maneira apaixonada. Desfilam pela câmera: Pixinguinha, Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Márcia entre outros.
Há dois meses atrás, o Mr. Smith (sempre em cima do acontecimento) emprestou-me uma BD (2 volumes, excelente o 1º) intitulada Persepolis, autobiografia gráfica de Marjane Satrapi. “Nascida numa família ocidentalizada, culta, de ascendência aristocrática e ligada à oposição ao regime de Reza Pahlevi, Marjane Satrapi tinha oito anos quando, em 1978, a revolução acabou com o regime imperial e instalou a república islâmica” (DN).
A BD retrata não só a visão de Satrapi do regime islâmico, mas também demonstra que as diferenças entre ocidente e oriente poderão não ser assim tão grandes.
"Cada livro que aqui vês é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte. Há já muitos anos, quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui, este lugar já era velho. Talvez tão velho como o própria cidade. Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe, ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, os que conhecemos este lugar, os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui. Neste lugar, os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono. Cada livro que aqui vês foi o melhor amigo de alguém. Agora só nos têm a nós, Daniel. Achas que vais poder guardar este segredo?
O meu olhar perdeu-se na imensidão daquele lugar, na sua luz encantada. Fiz um sinal de assentimento e o meu pai sorriu."
Excerto do livro "A Sombra do Vento" de Carlos Ruiz Záfon que estou a acabar de ler.
O novo filme de David Fincher é, na minha opinião, um bom filme que não chega a ser um grande filme. Esteticamente bem conseguido e com actores à altura, o filme não surpreende como o fight club, seven ou o jogo, mas esta é uma história verdadeira, sem os adornos ficcionais que normalmente alimentam e implusionam a narrativa.
Não obstante, o plano inicial, a cena do lago e o interrogatório na fabrica são para mim planos que ficam para a história do cinema.
Muitos foram os problemas que esta película teve. Inicialmente, Orson Welles havia sido contratado apenas para trabalhar como actor. Entretanto, devido a um engano do actor Charlton Heston, que entendeu que Welles iria representar e realizar o filme, e para agradar a Heston, o produtor Albert Zugsmith resolveu então convidar Welles para que dirigisse o filme. Depois de terminada a edição por parte de Orson Welles, o estúdio decidiu contratar outro realizador para filmar mais umas pequenas cenas. Depois de ver o resultado, Welles escreveu um memorando com 58 páginas pedindo para que fossem feitas alterações para que o filme correspondesse ao inicialmente previsto por ele. Daí existirem duas versões no mercado: a versão do estúdio e a versão Director’s cut, que Orson Welles realmente idealizou.
Só na primeira cena do filme diz-se que foi gasto todo o orçamento da produção: cerca de 3 minutos num só take, percorrendo um vasto espaço de uma cidade fronteiriça com o México, terminando com uma explosão num veículo que determina o rumo da história do filme. Charlton Heston é o agente Vargas, mexicano, e Orson Welles é Quinlan, agente americano. Os dois polícias agem de forma a encontrar o culpado pela explosão, mas rapidamente entram em conflito havendo corrupção, negligência policial e crime organizado ao barulho.
Entre as muitas maneiras de se combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias, atividade que deveria ser ensinada desde muito cedo às crianças, pois exige disciplina, educação estética, bom olho e dedos seguros. (...) Quando se anda com a câmara tem-se de estar atento de não perder este brusco e delicioso rebote de um raio de sol numa velha pedra, ou a carreira, trançadas ao vento, de uma menininha que volta com um pão ou uma garrafa de leite. (...) O fotógrafo age sempre como uma permutação de sua maneira pessoal de ver o mundo por outra que a câmara lhe impõe, insidiosa (...)
in “As babas do diabo”, conto de Julio Cortázar que inspirou o argumento do grande filme de Antonioni "Blow up".
Uma Opinião portuguesa Por: Luís Miguel Oliveira (PÚBLICO)
Nome de código: Itália
Na primeira cena em que aparece, a personagem interpretada por Nanni Moretti (um actor sondado para entrar no "filme no filme" que também se chama "O Caimão") diz qualquer coisa como: "Mas que necessidade há de fazer um filme sobre Berlusconi? Tudo o que há a saber sobre Berlusconi sabe-se. Quem quer saber sabe, quem não quer saber não sabe".
Questionar essa necessidade (no fundo, e em determinado grau, a necessidade de se fazer um filme como "O Caimão") é um dos aspectos mais curiosos deste filme altamente escorregadio e "elusivo", mas não é um questionamento que surja no vazio, inconsequentemente - pelo contrário, talvez seja mesmo o que lhe decide a estrutura e o rumo.
Não ser, por exemplo, um filme nem pouco nem muito "sensacionalista", nem pouco nem muito "denunciatório", e no limite talvez só um pouco sobre Berlusconi. "O Caimão" consiste basicamente em duas histórias cruzadas. A história da desagregação familiar do protagonista Bruno, que se está a separar da mulher, e a história da sua tentativa de "reagregação" profissional: foi um produtor de cinema popular (e "reaccionário") nos anos 70, depois entrou em declínio e nunca mais se endireitou; abandonado pelo último realizador que lhe era fiel (papel a cargo do veterano cineasta Giuliano Montaldo), que preferiu levar o seu projecto de filme sobre Cristóvão Colombo para outro produtor, agarra-se com unhas e dentes ao projecto de "O Caimão", um filme sobre Berlusconi que lhe foi proposta por uma jovem realizadora estreante - e agarra-se não por ser um filme sobre Berlusconi ("eu até votei nele"), mas por lhe ter caido nas mãos, por ser a única hipótese viável de trabalhar.
Como um burlesco crescentemente nervoso e angustiado, a história de "O Caimão" é esta aventura pessoal/profissional de Bruno. É a espécie de fundamental indiferença dessa aventura e dessas históriaspara com o "tema" do filme (que só entra praticamente pelo "filme no filme") que torna interessantes e intrigantes as aproximações de Moretti.
Entre a condição familiar de Bruno, o declínio do cinema popular italiano de 70, e a sombra de Berlusconi, que relação? O filme sugere alguma explicação, mas nãotoda, assim como não esconde uma hipótese de fotografia de uma geração "encalhada" e de um retrato de conjunto italiano. Mas o que é interessante é que Moretti, trabalhando e organizando a sua narrativa quase numa maneira de "montagem intelectual", desencadeie no espectador um curioso processo mental - será ele, espectador, quem deve procurar o "fil rouge" dessa disseminação do "político" no quotidiano, pessoal, cultural, profissional. A angústia de "O Caimão" vem daí, da tensão invisível da sua construção. O seu final apocalíptico, em sombra e em chamas, recusando um rosto a Berlusconi (porque foi acumulando rostos para Berlusconi), torna evidente pelo menos uma coisa: Berlusconi está no "caimão" mas o "caimão" não é Berlusconi. Em "O Caimão", "caimão" provavelmente é apenas nome de de código para "Itália".
A minha opinião:
Eu gostei do filme, da personagem do Bruno e sobretudo da sua relação com os filhos. Em termos da mensagem política inerente ao filme e à sua estreia, eu penso que a energia com que esta temática era apresentada noutros filmes, quase que indicia um desalento com o povo italiano. Isto é, quem já sabe não quer saber e quem não sabe não quer saber.
Assinalável o atraso com que chegou esta obra-prima a Aveiro, mas com o Cinema Oita com uma enchente que já não via há algum tempo!
Mais um grande filme de Clint Eastwood, com a cena da morte do general a parecer ter sido retirada de um western de John Ford.
Será que o padeiro Saigo ao tentar cumprir a promessa ao filho, de que regressaria da guerra, não estava a lutar por ideais mais nobres e mais perceptíveis para ele, do que morrer pela pátria?